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A dança com o caixão e o buzinaço em frente a hospital

O filósofo Vladimir Safatle, em artigo publicado por El País em abril de 2020 (atalho ao final), endossa a visão de que a liderança não é expressão dos traços do povo e, sim, que aquele que ocupa o lugar do poder constitui o povo. Seu endosso se referencia em Sigmund Freud, quando, pouco antes de Hitler atacar a Polônia, lançou seu livro “Moisés e a religião monoteísta”. No livro, o criador da psicanálise sintetiza a ideia de que Moisés criou o povo judeu.

Para a Safatle, “Freud não conheceu o Brasil, nem nunca ouvi falar de Jair Bolsonaro. Mas é certo que os últimos dias mostraram com precisão sua tese de que o poder molda sujeitos, fazendo-os a sua imagem e semelhança”.  E acrescenta: “todos estão a perceber essa mutação na qual expressões de desprezo, indiferença e violência antes inimagináveis de serem feitas a céu aberto e na frente de todos se tornam manifestações cotidianas, em uma espiral em direção ao abismo que parece não ter fim. Ele vai além: “Ou alguém realmente esperava ver, em meio a uma pandemia, pessoas a manifestar na Avenida Paulista dançando com um caixão, fazendo buzinaço em frente a hospital, zombando abertamente da dor e do desespero de milhares de pessoas infectadas e lutando pela vida em situações hospitalares precárias?”.

O apoio popular a Bolsonaro beirava os 30%, mesmo sendo ele, na pandemia, o pior governo da face da Terra, na definição de Safatle. Beirava os 30% e, passados dois anos, não se situa muito abaixo disso. Assim, segue o alerta do filósofo: “Esta implosão aberta de qualquer princípio elementar de solidariedade, esse desprezo com os que morrem, esse culto do próprio suicídio como prova de “coragem”, essa violência cada vez mais autorizada até a formação aberta de milícias populares, esta crença em uma revolução nacional redentora, isto tudo tem nome. Costuma responder pura e simplesmente por ‘fascismo’.

A sociedade precisa pôr paradeiro nisso. A pandemia tem feito menos mortos, mas balas reais e linchamentos, temidas em 2020 pelo autor do artigo, tornaram-se muito mais frequentes.

íntegra em https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-04-20/preparar-se-para-a-guerra.html?event_log=oklogin

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