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Março de 1964, agosto de 2016, janeiro de 2023

Os mencionados meses no título marcam o golpismo concretizado, nos dois primeiros casos, e uma intentona, no terceiro.

A socióloga Maria Lygia Quartim de Moraes diz que “o golpe de 1964 foi preparado por anos. Projeto conservador, reacionário, que gerou terrorismo de estado. Não era apenas contra quem se insurgia. Era para assustar, para manter todo mundo quietinho”. [1]

Generais ditadores se sucederam até 1985, ano do pacto oligárquico que enterrou a campanha por eleições diretas à presidência e promoveu a escolha de Tancredo Neves para Presidente da República por meio de colégio parlamentar. Tancredo morto antes de empossado, o cargo foi entregue a seu parceiro de chapa, José Sarney, homem alinhado aos 21 anos de ditadura.

Golpe de 1964 tramado e conduzido por militares, não faltaram parceria e patrocínio de grandes segmentos empresariais e donos da mídia, aqui destaque para os golpistas de sempre: O Globo, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo.

Quando a professora Maria Lygia diz preparado por anos, certamente faz referência a mais uma das etapas da busca permanente de poder pela burguesia brasileira –  há que se reconhecer, em raros momentos afastada dele – cuja finalização fora adiada com o suicídio de Getúlio Vargas em agosto de 1954, renúncia de Jânio Quadros em 1961 e posse, naquele ano, de João Goulart, primeiro em parlamentarismo mequetrefe, forma admitida por generais, depois enquanto presidente eleito do presidencialismo restaurado por plebiscito em janeiro de 1963.

O historiador Rodrigo Patto Sá Motta vai além. Para ele, a ditadura brasileira não se mostrou nociva apenas ao próprio país. Marcou o “início a um novo ciclo de ditaduras na América Latina: serviu de modelo para mostrar que as corporações militares poderiam assumir o poder na AL e estabelecer governos estáveis e entregassem o que grupos transnacionais desejavam. Governos que reprimissem a esquerda, que reprimissem as organizações sociais, que criassem condições estáveis para os lucros das empresas”[2]

A ditadura brasileira torturou, perseguiu e baniu, tornou suicidas muitos daqueles por ela assassinados e despejou em valas comuns os mortos por suas armas.

Terminou? Não. Como mencionado, golpes são etapas bancadas por gente que detém ou, se afastada temporariamente, quer retomar o poder.

Lembra Rodrigo Motta: “a mídia tradicional, em 2014, 2015 e 2016, operou mais ou menos como em 1964. Ajudou a criar uma espécie de pânico: em 1964, contra o governo Goulart, que, supostamente, estava permitindo a infiltração comunista, o Brasil iria para o abismo. Em 2013-2016 a mídia repetiu 1964, só com pequeno ajuste no discurso. Dilma, Lula e PT seriam ruins por ser de esquerda e aumentado a corrupção no estado brasileiro”. E acrescenta o acadêmico: “a grande mídia produziu Bolsonaro, mas não era seu objetivo; ela pretendia o PSDB, mas, ‘deu ruim’ “. Dilma, como se sabe, foi destituída sem que se caracterizasse qualquer crime em sua conduta.

Em janeiro de 2023, a intentona. Foi precedida de tentativas de inviabilizar a eleição de 2022, como a ação da Polícia Rodoviária Federal bloqueando acesso de eleitores às urnas no Nordeste, ou a posse do eleito, como a frustrada explosão de caminhão no aeroporto da capital federal em dezembro. A depredação de espaços públicos, Lula já empossado, serviu, na prática, a encarcerar bagrinhos nesse mar de tubarões insaciáveis.

Herança da escola de 1964, destaca Maria Lygia: “Esses militares que estão aí são todos golpistas. A militarização da polícia e, tem mais, agora a evangelização da polícia (produz) fanáticos religiosos armados. Eu acho que é assustador o quadro”.  E Rodrigo Motta conclui: não adianta fingir que esse passado não tem mais relevância. Enquanto tiver um grupo político no Brasil expressivo com saudade de 64, querendo o AI-5, 1964 está vivo, nos ameaçando. Os golpistas de hoje foram treinados, alimentados pela herança do golpe de 64”.

[1] Acadêmica da Universidade de São Paulo, entrevista ao Café da Manhã, canal Diário do Centro do Mundo, edição de 29 de março

[2] Acadêmico da Universidade Federal de Minas Gerais, em entrevista ao programa 20 Minutos, canal Opera Mundi, 27 de março.

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