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Democracia inabalada? Qual?

Marcado para a tarde deste 8 de janeiro no Congresso Nacional ato que, diz a Agência Gov da EBC, “tem como objetivo reafirmar a importância e a força da democracia brasileira”.

O evento marca um ano da invasão do Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal, Senado e Câmara, em Brasília. Foram ações de vandalismo rotuladas como tentativa de golpe de estado e executadas por grupos que passaram meses acampados diante de quartéis do Exército. Muitos condenados e presos por tais ações, mas sem que entre eles estejam idealizadores.  Participarão do ato presidentes ou representantes dos três poderes da República, além de 500 convidados.

Pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é esperado seu presidente, Luís Roberto Barroso. O magistrado reconheceu, em fevereiro de 2022, que a cassação em 2016 da então presidenta Dilma Roussef, pelo STF e instituições da inabalada democracia brasileira, não foi consequência das denominadas ‘pedaladas fiscais’ e, sim, da perda de sustentação política. Em outras palavras: presidenta cassada sem crime de reponsabilidade. Um golpe.

É o mesmo STF ao qual foi dirigido em abril de 2018 tweet do, à época, comandante do exército, General Eduardo Villas Bôas. Na mensagem, lida em edição do Jornal Nacional, da Rede Globo, poucas horas antes da sessão que analisaria habeas corpus a Lula ante a iminente prisão determinada por Sérgio Moro, o General dizia repudiar a impunidade e que o Exército se mantinha atento à suas missões constitucionais. Sutil, não? Lula foi preso, o que inviabilizou sua participação na disputa à presidência da república naquele ano e favoreceu Jair Bolsonaro, que, eleito, agradeceu publicamente a Villas Bôas e nomeou, entre seus ministros, Sérgio Moro, figura a quem havia sido concedido, em 2015, o prêmio “Faz a Diferença”, instituído pelo jornal O Globo.  Fez mesmo.

A inabalada democracia brasileira também privilegia há década a concessão pública de emissoras de televisão e de rádio a poucas famílias. A maior dessas emissoras tem sido, historicamente, aliada e patrocinadora de regimes ditatoriais e golpes de estado. Seu jornalismo é canalha e, ao dizer cinicamente que escuta, quer dar ares de sobriedade a seus porta-vozes, porta-vozes da canalhice. A exemplo de outras emissoras, produz fake News incessantemente, mas a legislação que a inabalada democracia brasileira pretende aprovar contra fake news não a alcançará nem às demais emissoras familiares.

A democracia inabalada é representada, ainda, por parlamento que toma funções orçamentárias próprias do Executivo, fazendo valer uma espécie de semipresidencialismo.

Rotular como inabalada e comemorar a democracia que se ajusta a interesses de poucos vale o quê? Lembrar um dia, como se ele caracterizasse a exceção na democracia presente, é jogo de quem?

A cidadania brasileira tem sido marcada por promessas não cumpridas, entre elas retomada de empresas públicas privatizadas, restabelecimento da legislação trabalhista e de previdência. É uma forma de desprezo à democracia. Quem não cumpre promessas justifica-se argumentando correlação de forças desfavorável. E o que se tem feito para mudar a correlação de forças? A cidadania tem sido chamada às ruas para testar essa correlação e mostrar sua própria força?

Não tem sido. Há tempo, ainda, e a esperança é para que seja. Se não for, o que se dirá quando a cidadania perguntar qual o sentido de escolher aqueles que se dizem com ela comprometidos se o comprometimento se inviabiliza pelo medo? O medo garante qual democracia?

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