COISAS DE AGORADESTAQUE

Mea Culpa – O Globo e a ditadura militar

Livro de Edwaldo Costa analisa o apoio do jornal O Globo ao golpe de estado e consequente ditadura militar imposta ao Brasil em março de 1964. Com o golpe, João Goulart, então presidente eleito, foi destituído. A ditadura militar se estenderia a 1985, ano em que Tancredo Neves foi eleito, de forma indireta, à Presidência da República.

Em “Mea Culpa – O Globo e a ditadura militar” (Editora Insular, Florianópolis, 2015), Costa, jornalista, doutor em comunicação e semiótica, além de registrar a evolução do próprio jornal desde sua fundação em 1925, destaca brevemente acontecimentos políticos e conflitos que antecederam o golpe, alguns dos quais diretamente relacionados à derruba do governo Goulart.

Ditadura instalada, Costa menciona fatos dos 21 anos do regime ditatorial e a abordagem que esses fatos receberam de O Globo em editoriais, matérias e capas do jornal.

Em favor da ditadura, textos de o Globo carregaram nesse período invariavelmente adjetivos elogiosos e tom ufanista. Em 2 de abril, dia seguinte ao golpe de estado, o jornal traz em sua capa editorial intitulado “Ressurge a Democracia!”, no qual diz que “Vive a nação dias gloriosos, porque souberam unir-se todos os patriotas (…) para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem”.

A democracia que ressurgiu foi a de atos institucionais que determinaram, quando conveniente, o fechamento do Congresso Nacional e a cassação de parlamentares eleitos. Determinaram, também, censura à imprensa, prisão, tortura e morte a muitos dos que se opunham ao regime de generais-presidentes. E o jornal O Globo sempre apoiando.

O Caso Herzog

Caso emblemático, que atingiu o governo do General Geisel. O jornalista Vladimir Herzog foi morto em outubro de 1975 nas dependências do II Exército, em São Paulo, detido que fora para prestar esclarecimentos relativamente à sua militância política. Sua morte foi oficialmente declarada como suicídio. O caso provocou reação de setores de oposição à ditadura, inclusive de líderes religiosos. A conclusão era única: ele havia sido assassinado.

Endossando tal conclusão, o então rabino Henry Sobel decidiu que Herzog não seria sepultado como suicida – na periferia do cemitério, segundo o princípio judaico – desconstruindo publicamente, assim, a versão oficial. Dias depois, foi realizada na Catedral da Sé cerimônia em homenagem ao jornalista comandada conjuntamente pelo próprio Sobel, pelo líder católico D. Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo, e pelo pastor luterano James Wright. Milhares de pessoas, que chegavam silenciosamente ao centro de São Paulo, acompanharam a cerimônia. Em seu livro, Costa registra que O Globo se limitou a publicar, sob o título “II Exército informa suicídio de jornalista”, nota oficial a respeito.

Manipulando a história

Passados 50 anos do golpe de estado, ao fazer autocrítica de seu apoio à ditadura, O Globo colocou-se como vítima das circunstâncias e, ainda, como não sendo o único órgão a apoiar o golpe, durante décadas denominado “revolução” pelo jornal.

Edwaldo Costa conclui que o Globo não se prestou a um mea culpa, mas apenas um “meia culpa”. E acrescenta: “é possível afirmar que o jornal contribuiu para manipular a história, subverteu valores daqueles que se opunham ao regime militar, omitiu informação e poucas vezes, em especial durante os 21 anos de duração da ditadura, se permitiu acatar e respeitar um dos mandamentos do jornalismo, que é o de ouvir e dar voz a todos os lados”.

A prática de O Globo é ainda hoje ampliada e continuada, como se sabe, pelos veículos das Organizações Globo.

You may also like

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *