A guerra é permanente. Ela é alimentada por versões que interessam a quartéis-generais de elites e essas versões são tratadas como fatos. Não são necessários tanques e soldados nas ruas. Há operações psicológicas. A guerra é permanente quando se projeta no outro aquilo que, em verdade, quem projetou pratica. Piero Leirner, antropólogo e professor na Universidade Federal de São Carlos, trata desse tema em “O Brasil no Espectro de Uma Guerra Híbrida” (Editora Alameda, 2020).
O professor menciona a “grande inversão”, conceito que representa a “projeção que certos agentes realizam nos seus inimigos invertendo suas posições”. A palavra ideologia aparece nesse jogo com frequência, quando a ela se atribui contornos de conspiração. “Militares chamam isso de bandeira falsa (false flags)”, diz o professor. A grande inversão é “ONGs tocam fogo na Amazônia”, “Os militares são ‘técnicos’ que ocupam despretensiosamente mais de 1000 cargos no Palácio do Planalto”, número de Leirner, quando elaborado seu trabalho; hoje são mais de 6 mil.
Leirner passa por episódios recentes da história do Brasil: os militares incomodados com a Comissão da Verdade instituída no Governo Dilma para apurar crimes na ditadura (1964-1985) – e senhores de si quando chefiaram missões no Haiti – enxergam e se valem da oportunidade de voltar institucionalmente ao comando do país. Jair Bolsonaro, convidado a discursar em 2014 para a turma de formandos da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), não foi acaso.
A leitura revela ao debate a estratégia que se desenvolve hoje, voltada à manutenção do poder em um país que crê viver em regime democrático por seus cidadãos, de tempos em tempos, poderem apertar um botão numa urna eletrônica.