Colaboração de Pedro Aires
“Em 1492, os nativos descobriram que eram índios, descobriram que viviam na América, descobriram que estavam nus, descobriram que existia o pecado, descobriram que deviam obediência a um rei e a uma rainha de outro mundo e a um deus de outro céu, e que esse deus havia inventado a culpa e o vestido e havia mandado que fosse queimado vivo quem adorasse ao sol e a lua e a terra e a chuva que a molha.”
Eduardo Galeano
Yanomamis.
Fala Davi Kopenawa, xamã yanomami:
O branco, para nos entender, “tem que conhecer a alma, não a cara…, 1930/40 não tinha ameaça da vida ao meu povo, não tinha madeireiro, pescador, garimpeiro… só floresta e os yanomami…”. A comissão do limite, demarcadora de fronteira entre Brasil e Venezuela, fora o primeiro grupo de brancos em contato com este povo originário, seguido dos missionários e das construções de estradas: “morreram muitos, mataram meus parentes, o chefe da aldeia, jogaram bomba… depois o garimpo (1986-governo José Sarney), 40 mil entraram como urubus…denunciei à Funai, depois ao seu presidente, Romero Jucá, saí sem respostas”. Com indicação de que eram muitos, não há o que fazer. Em seguida, “fomos à ONU, o mundo do povo não-indígena escutou!… os garimpeiros… estão matando os indígenas… tirar garimpeiros e demarcar as terras (era o lema). Agora está muito pior para nós”. (17/04/2018). Resultado: violência sexual contra crianças e mulheres, trabalho escravo, prostituição, tráfico de drogas e de mercúrio e contaminações pelo uso, presença do crime organizado, assassinatos, devastações, adoecimentos em massa…
Estudo da Fiocruz (2020) detectou níveis de mercúrio em indígenas acima de limites seguros. Nas terras do Alto Tapajós, apontado que 99% das pessoas estudadas apresentaram níveis superiores ao limite de exposição aceitável.
Em 2022, pesquisa indicava indícios de ilegalidade de extração de ouro em 200 toneladas, em período de cinco anos, sendo um terço deste total operada apenas por quatro empresas registradas na DVTMs [1] , indicando, também, que 87% de suas comercializações são de origem duvidosas.
“É todo um mercado estruturado para fraudar. E as compradoras são as responsáveis, porque são elas que movimentam o mercado”[2].
Na Amazônia Legal, havia 362 pistas clandestinas para pequenas aeronaves e em seu entorno as marcas de destruição por garimpo ilegal. Somadas, todas as pistas sem registro na Anac – Agência Nacional de Aviação Civil totalizavam 1.269 vias, superando o número com registros oficiais de 1.260 (abril/22). As barbáries contra os povos originários, as populações ribeirinhas, os quilombolas, camponeses… na história da república brasileira foram motivadas para submissão destes povos, com fim de expropriação mineral, para invasões e grilagem de terra… enfim, para acúmulo de capital, poder político e domínio militar.
Na atualidade, soma-se a todas estas violências o interesse pela grande reserva amazônica de terras raras, matéria prima necessária para desenvolvimento e continuidade da indústria 4.0.De olho nestas riquezas, e sabe-se lá metidos em quais negociatas, estão grandes grupos econômicos/financeiros, incluso banqueiros nacionais. Acrescente-se a este assalto sobre a floresta a mais rápida e descontrolada invasão agropecuária (via derrubada da mata e incêndio na floresta, depois capim, boi, cana e soja).
Estas terras raras são “de vital importância para indústria petrolífera, equipamentos de alta tecnologia na área de produção e intensificações de imagem, telecomunicações, indústria de informática, semicondutores e supercondutores, automóveis elétricos e híbridos, ímãs de alto desempenho, indústria de informática, sistemas de orientação espacial, laser, e de toda a produção da indústria bélica…”[3]
Órgãos governamentais e grandes corporações estrangeiras monitoram a Amazônia para fins de exploração. A USGS[4] calculou que a reserva de 2,9 bilhões de toneladas de terras raras, apenas na mina de Seis Lagos, resultaria em 43,5 milhões de toneladas de metal contido.
Há, também, de se perguntar, nesta guerra de desinformações, qual o papel da grande imprensa (golpista), dando agora destaques ao sofrimento do povo indígena, poderia estar noticiando e denunciando todo genocídio, de forma transparente e coerente, principalmente nas ações do governo passado.
Duas questões, entre outras, precisam ser aprofundadas, para apontarem respostas capazes de balizarem políticas públicas para esta esfera de preservação da Amazônia e de sua população: uma, na área de segurança; outra, nas questões da diplomacia externa brasileira. A primeira, por que as forças armadas insistem em controlar todo o território amazônico, extrapolando, permanentemente, funções não pertinentes ao seu papel. Segunda, qual será a postura do governo atual frente à geopolítica, que pressiona o país a definir em qual ou quais “parceiros” se apoiará (leia-se subordinará) para escoamento de suas riquezas primárias, pois já nos encontramos em franco processo de desindustrialização e sem avanços tecnológicos capazes de transformação das riquezas minerais em produtos industrializados.
[1] Sociedades Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários
[2] https://theintercept.com/2022/08/16/lobistas-mineracao-ilusao-garimpo-sustentavel/?fbclid=IwAR2tclxky72aDbHtnUNnmjVI-vuCD7igpqYiLRoJtcaa3XM8K3_MwMhP7do
[3] Ronaldo Santos, pesquisador do Cetem.
[4] Pesquisa Geológica dos Estados Unidos (USGS) -Entidade Governamental
https://www.ambientelegal.com.br/brasil-comercializou-mais-de-200-toneladas-de-ouro-ilegal-em-cinco-
anos/#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20levantamento%2C%20das%20mais%20de,da%20produ%C3%A7%C3%A3o%20delas
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