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Previdência complementar: corte de direitos e normas que põem em risco o sistema.

Terceiro de seis artigos da série A Caixa e seus empregados nos governos desde o Plano Real

A previdência complementar foi regulamentada no Brasil apenas em 1977, embora já existissem no país institutos de categorias profissionais ou de empregados de algumas empresas. Na Caixa, o sistema veio com a instituição da Funcef em agosto daquele ano, inicialmente com o plano Reg. Em junho de 1979 é aprovado o Replan, uma emenda ao Reg. A emenda impunha idade mínima para a complementação integral de aposentadoria, teto para o valor dos benefícios e seria aplicada a todos os participantes da Funcef, fossem eles admitidos na Caixa antes ou depois de junho de 1979.

Período FHC (1995-2002)

A marca no período Fernando Henrique Cardoso foi a criação, em 1998, do Plano Reb, com consequente fim da possibilidade de adesão ao Reg/Replan. O Plano Reb inaugurava na Funcef a contribuição variável (CV), modalidade em que o cálculo do benefício tem por base saldo acumulado com as contribuições ao longo do tempo de trabalho. O Reg/Replan é de modalidade Benefício Definido (BD), com o benefício inicial nesse plano equivalente à média dos doze últimos salários de contribuição. O plano suplementa a diferença entre essa média e o valor pago pelo INSS.

A gestão da Caixa de então impôs aos aposentados, na prática, a migração do Reg/Replan ao Reb. A maioria dos aposentados, de fato, migrou e para tanto pesou o congelamento dos valores dos benefícios imposto por FHC desde 1995, sem perspectiva de mudança. A imposição, no entanto, não teve êxito entre participantes da ativa. Para a Caixa, o Reb significativa redução de suas contribuições à previdência e fim da paridade entre reajuste dos benefícios e o da tabela salarial do banco.

Período Lula (2003-2010)

Desde sua instituição, a Funcef contabilizava dívida da Caixa junto ao Reg/Replan. A dívida teve origem na necessária integralização de reservas para o pagamento de benefícios daqueles que, já aposentados em 1977 ou prestes a alcançar esse direito, foram estimulados pela Caixa a aderir à previdência complementar. A Caixa reconhecia o que se convencionou denominar “serviço passado”, mas não honrava o valor, atribuindo a ele caráter atuarial e não financeiro.

Portanto, em 2003 dívida não paga, pendências relativas aos direitos dos participantes do Reg com contrato alterado pelo Replan e migração imposta ao plano Reb emperrada em tribunais obrigou o processo negociado. Comissão formada por representantes de participantes dos planos e do banco, integrada ainda por técnicos da Funcef, trabalhou até 2006. Nesse período, a Caixa reconheceu parte da dívida e, não obstante a discordância dos representantes dos trabalhadores quanto ao cálculo, aprovou por meio do Conselho Deliberativo da Fundação acordo para sua quitação, valendo-se do voto de desempate, prerrogativa do presidente do CD, sempre alguém indicado pela direção da Caixa.

Do processo de negociação surgiu o saldamento do Reg/Rreplan, caracterizado pela definição de benefício proporcional ao tempo de contribuição do participante e vinculação, a partir daí, ao Novo Plano. Benefícios foram atualizados, oferecidos incentivos financeiros, resolvidas muitas das pendências do Reg/Replan e regulamentada hipótese de ganhos reais. A opção pelo Saldamento não foi compulsória, mas houve pressão da Caixa. Mais tarde, porém, mudanças em plano de cargos e salários trouxeram prejuízo àqueles que se mantiveram no Reg/Replan original, o Não Saldado. O Novo Plano, embora da mesma modalidade do Plano Reb, estabelece em relação a ele teto de contribuição da Caixa superior, cálculo de benefícios mais favorável ao participante e hipóteses de resgate integral de valores, sem que seja retida qualquer parcela de contribuição da patrocinadora.

Em 2007, a Funcef publicou seu novo estatuto, também fruto de negociação. O estatuto incluía diretores eleitos pelos participantes em número igual ao de indicados pela Caixa e definia maioria simples no Conselho Deliberativo – quatro votos em colégio de seis membros – para aprovação de mudanças de estatuto e planos, impedindo assim, nesses temas, a utilização do voto de desempate.

No período Lula, o crescimento econômico do país viabilizou aos planos Funcef resultados superavitários.

Período Dilma (2011-2015)

Em 2011, o resultado da indústria de fundos de previdência ficou aquém da meta então estabelecida. Os planos Funcef renderam 10,69%, mas não escaparam a esse cenário: situaram-se aquém da meta de 11,91%. Fato aliado à queda nas taxas de juros e ao crescimento mais baixo no país, em 2014 a Operação Lava-Jato mira a Petrobras, colocando freio em investimentos da petroleira, com perdas alcançando grandes fundos de pensão e instituições privadas como Bradesco e Santander, então cotistas do Fundo de Investimentos em Participações Sondas, da Sete Brasil. Resultados deficitários pelos fundos estatais, aí incluída a Funcef, motivaram mais tarde a realização de Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Federal. A criminalização de investimentos, cujos resultados ruins sofreram a influência do corte de investimentos da maior empresa brasileira e do baixo crescimento do país, estigmatizou gestores e as instituições. Mais tarde, a Lava-Jato seria desmoralizada pela Vaza-Jato, a CPI concluiria que os deficits no Reg/Replan foram motivados, em grande parte, por ganhos reais concedidos aos benefícios dos participantes e aos ajustes de premissas atuariais, como tábua de mortalidade.

Período Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-2022)

Aprovado o equacionamento dos deficits do período 2014-2016, com o estabelecimento de contribuições adicionais para a integralização de reservas.

Outras medidas são, no entanto, muito mais significativas, não para amenizar resultados ainda deficitários dos planos de benefícios Funcef, embora dirigentes os atribuam, agora, a fatores conjunturais. São significativas em relação ao corte de direitos dos participantes.

Em 2017, Termo de Ajustamento de Conduta entre a direção da Funcef e Previc – Superintendência Nacional de Previdência Complementar, órgão do Ministério da Economia, formalizou a quebra de paridade no equacionamento do Não Saldado, reduzindo a parcela da Caixa e elevando o valor bancado pelos participantes. Em 2021, novo estatuto Funcef, que tem por fundamento eliminar a necessidade de maioria de votos para que se aprovem alterações de regulamentos de planos, o que faz prevalecer o interesse da direção da Caixa por meio do voto de desempate. Por manobra da Caixa, a diretoria atual, reduzida, tem hoje três indicados pela direção da empresa e dois eleitos pelos participantes. Em 2022, a Caixa alterou, unilateralmente, o regulamento do Não Saldado, reduzindo o benefício inicial, segregando valores do INSS e desvinculando os reajustes da variação da tabela salarial da Caixa, princípios desse plano existentes desde sua criação, em 1977.

Resoluções publicadas desde 2018, de instâncias controladas pela área econômica de governo, facilitam a transferência dos investimentos e aplicações de fundos de pensão a instituições privadas, a bancos. Trata-se, aqui, em números do primeiro trimestre deste ano, da doação de R$ 1,095 trilhão. Também regulamentam a retirada de patrocínio da empresa aos planos de benefícios.

A ver o que restará, se não revertida essa política de governo.

Na próxima segunda-feira (24), A Caixa perde mercado para a concorrência, quarto artigo desta série

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