História resgatada de artigos publicados pela revista Carta Capital[1] e outros meios
2008, janeiro: furto de equipamentos da Petrobras acondicionados em um container. Sumiram quatro notebooks, dois HDs e um conjunto de informações sigilosas relativas à exploração de petróleo na bacia de Santos. Disse a Carta Capital que o container seria transportado de Santos a Macaé, cidades onde se encontravam dois dos maiores campos do pré-sal. A Polícia Federal, que inicialmente tratava o caso como espionagem, alterou a investigação para furto comum. Quatro vigilantes do terminal portuário foram detidos.
2009, outubro: conferência no Rio de Janeiro reuniu a integrantes do governo dos Estados Unidos e membros da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário – entre eles Sérgio Moro, ali o único juiz de primeira instância. O tema foi combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo. A conferência foi revelada pela Wikileaks, organização sueca do jornalista Julian Assange.
2010, eleições: em publicação da Wikileaks, revelou-se que José Serra, então candidato à Presidência da República, trocara mensagens com executiva da petrolífera estadunidense Chevron para tratar de mudanças nas regras de exploração do pré-sal. A Chevron considerava os custos elevados e desistira da disputa pelos campos. O Governo Lula, ainda em 2010, aprovara o regime de partilha, garantindo a presença da Petrobras como operadora única e partícipe prioritária nos leilões do pré-sal. Essa garantia derrubara projeto de maior interesse de petroleiras estrangeiras, então elaborado por Serra.
2011-2012: reiteradas notícias na mídia corporativa a respeito da frustração do mercado quanto aos resultados da Petrobras. No Governo Dilma Rousseff (2011-2014), pacote de investimentos da petroleira da ordem de R$ 55 bilhões, o que significaria e significou dividendos elevados no futuro, mas não necessariamente dinheiro a acionistas naquele momento. Também digna nota a visita em 2011 de Barack Obama, então presidente dos EUA, à sede da Petrobras.
2013: Edward Snowden, então consultor de informática da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, sigla em inglês), revelou documentos dando conta da espionagem da qual foram vítimas a presidenta Dilma Rousseff, autoridades de seu governo e a Petrobras, no caso por meio de sua rede privada de computadores. Obama disse, a esse respeito, que buscar informações em fontes não públicas – eufemismo para espionar, por óbvio – seria prática também de outros países e que, nisso, “somos (EUA) os maiores e temos melhor capacidade”[2]. Dilma, mais tarde, considerou o episódio de espionagem superado[3].
2014: deflagrada a Operação Lava Jato, centrada na Petrobras. As linhas de desenvolvimento em curso à época, focadas na estatal, em seus investimentos e na prioridade à aquisição de insumos junto à indústria nacional, foram relatadas ao público como corrupção por agentes do Estado. Outras empresas brasileiras, voltadas a projetos nacionais e internacionais na indústria naval e construção pesada, sofreram a sanha acusatória. Tratou-se de quebrar as empresas, meta maior que apenas apurar responsabilidades. A mesma sanha não alcançou empresas estrangeiras.
Resultados
A Operação Lava Jato foi bandeira da mídia corporativa até que, recentemente, sua intenção política, antes mesmo que investigativa, foi escancarada pelo portal The Intercept em matérias do jornalista Glenn Greenwald na série “As mensagens Secretas da Lava Jato”[4]. O lavajatismo se desmanchou, alguns de seus executores tornaram-se palestrantes profissionais, consultores, ministro de Estado. Ao final, procedimentos e conclusões da operação foram derrubados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.
O pré-sal, descoberta da Petrobras, motivador da Lava Jato, atiçou o grande capital. A jornalista Tereza Cruvinel, em artigo no portal Brasil 247, afirmou que o enredo se fez por interesses internos, voltados a “remover Dilma, criminalizar o PT, inviabilizar Lula como candidato a 2018 e implantar uma política econômica ultraliberal”, e interesses externos, focados em “alterar a regra do pré-sal e inverter a política externa multilateralista que resultou nos BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) na integração sul-americana e em outros alinhamentos Sul-Sul”.[5]
Cassada Dilma, Temer assumiu em 2016 e implantou a política de preços de paridade de importação (PPI), ainda mantida por Bolsonaro, aquela do combustível dolarizado. Em relação à gestão da petroleira, retenção nenhuma de capital para investimentos e tudo em dividendos.
Até o final dos anos 1.990, entre 82% e 86% das ações ordinárias (com direito a voto) da Petrobras e 78% do capital integral, que soma ações ordinárias e as preferenciais (sem direito a voto), estavam com a União. Em agosto de 2000, o governo de Fernando Henrique Cardoso negociou papéis na Bolsa de Nova Iorque, reduzindo o controle acionário da União a 57% e a participação no capital integral a 39%. Em 2010, no governo Lula, a União capitalizou a empresa elevando a controle da União a 64%, reduzindo a participação de acionistas privados com capital externo de 37,8% a 26%. Com Temer e Bolsonaro, voltou a chave neoliberal e, agora, os acionistas privados detêm 63,4% do capital total da companhia. A União mantém 50,3% das ações com direito a voto.
No primeiro trimestre de 2022 o lucro líquido da Petrobras foi de R$ 44,5 bilhões, resultado, segundo Mahatma Ramos, sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), “devido ao aumento dos preços dos derivados que reflete uma decisão da Petrobrás em manter o PPI”. Acionistas privados levaram R$ 30,7 bilhões e a União, controladora da companhia, pouco mais do que a metade, R$ 17,7 bilhões[6]. Para o país, a PPI é o que é: no acumulado de doze meses, inflação oficial de abril em dois dígitos graças aos insumos que interferem em todos os preços de produtos e serviços: variação da gasolina, 31,2%; do etanol, 42,1%; do óleo diesel 53,6%; do gás de botijão, 32,3%, do gás encanado, 35,2%.
[1] Carta Capital, “Grupos de Pressão e pré-sal; antecedentes da crise”; disponível para assinantes em https://www.cartacapital.com.br/economia/grupos-de-pressao-e-o-pre-sal-antecedentes-da-crise/
[2] Carta Capital, “Obama admite rever procedimentos da NSA ao falar sobre espionagem ao Brasil”; disponível em https://www.cartacapital.com.br/mundo/obama-admite-rever-procedimentos-da-nsa-ao-falar-sobre-espionagem-ao-brasil-702/
[3] BBC Brasil, “Para governo, denúncia de espionagem é episódio superado”; disponível em https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150704_dilma_resposta_eua_espiona_fn
[4] The Intercept Brasil, “As mensagens secretas da Lava Jato”; disponível em https://theintercept.com/series/mensagens-lava-jato/
[5] Brasil 247, “Anatomia do gole: as pegadas norte-americanas”; disponível em https://www.brasil247.com/blog/anatomia-do-golpe-as-pegadas-americanas
[6] Federação Única dos Petroleiros, “No primeiro trimestre, acionistas privados da Petrobras lucram 19 estádios do Corinthians”; disponível em https://fup.org.br/no-1o-trimestre-acionistas-privados-da-petrobras-lucram-19-estadios-do-corinthians/