Em determinada passagem de “Era dos Extremos: o breve século XX”, o historiador Eric Hobsbawm menciona os vinte anos entre as duas grandes guerras mundiais – de 1919, fim da primeira, a 1939, início da segunda – definindo o período como aquele em que o passado estava fora de alcance, o futuro fora adiado, o presente era amargo. Vinte anos, diz Hobsbawm, marcados por trágicas lembranças, entre elas a do fascismo racista, anticomunista e antiliberal, que tinha a capacidade de, diferentemente da direita não fascista, mobilizar as massas. E lembra o historiador: as camadas da classe média e média baixa se movimentaram para a ascensão e legitimação de governos fascistas, destacadamente Mussolini na Itália e Hitler, o nazifascista, na Alemanha.
Brasileiros que somos, sabemos que futuro adiado e presente amargo, exceção a alguns períodos, é algo inerente ao país. O Brasil é de oligarcas, que, para lembrar apenas fato recente, em seus jornais rotularam como difícil a escolha na disputa presidencial de 2018 entre um liberal e um protofascista, este por fim eleito. Em verdade, eles o escolheram e, agora, dele se afastam. Os oligarcas incumbem-se, no presente amargo que nos foi imposto, da tarefa de incensar para 2022 candidato da mesma linha, mas com a promessa de bons modos à mesa. A escolha parece recair sobre um ex-ministro do protofascista, um ex-juiz julgado suspeito. Sua bandeira é a de criar tribunal especial anticorrupção, na prática corte de exceção destinada aos inimigos, promotora de autos de fé e da queima de bruxas. Os autos de fé, como se sabe, atraíam grande público.
Conveniente destacar que se afastar do atual protofascista Jair Bolsonaro não é afastá-lo. E, ao não afastá-lo, oligarcas mantêm Paulo Guedes, banqueiro e neoliberal, entregador da riqueza construída pela nação por anos e anos. Grandes capitalistas – alguns nacionais e outros estrangeiros – estão herdando o mercado da construção pesada, da indústria naval, as reservas de petróleo, as refinarias, a estrutura de logística, as geradoras de energia, o que resta de bancos públicos e tendo previdência, saúde e educação transformadas em negócios. Não se trata nem mesmo de investidores que destinarão recursos a algo novo: é mera apropriação da renda gerada pelo que já existe.
2022 é ano de eleição, uma concessão ao cidadão, a quem se permite eventualmente o acesso ao governo, não necessariamente ao poder. Embora seja o que há para o momento, é insuficiente e o ano não pode limitar-se a tão pouco. Não se sabe exatamente que país restará em janeiro de 2023. Sabe-se, apenas, que para restar algo no país e ter na mudança de governo a possibilidade de respirar, não basta a esperança. É necessária muita luta, luta pelo que ainda existe. Aí deve estar o compromisso do movimento social, sindical, de suas lideranças, militantes e de todos os que não querem o presente amargo e não se conformam com o futuro indefinidamente adiado.