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Privatização da Vale: prenúncio da futura Petrobras

Lembrar a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, a atual Vale S.A., é antever a perda para o país com a Petrobras privatizada. A Vale foi a leilão em 1997 por R$ 3,3 bilhões, investimento recuperado pelos novos donos com o lucro dos três anos imediatamente seguintes. Além da Companhia, tais donos receberam R$ 100 bilhões em reservas minerais e R$ 700 milhões em caixa.

A Petrobras vem sendo fatiada e, assim, privatiza-se a maior empresa nacional e uma das maiores do mundo por meio da venda da Liquigás, BR Distribuidora, Transportadora Associada de Gás (TAG), de poços por ela descobertos, de refinarias transformadas em subsidiárias.

A Vale volta-se apenas a seus acionistas, em maioria instalados fora do país. Sob orientação neoliberal, a Petrobrás segue o caminho, mantendo política de preços definida pelo Governo Temer ao gosto do índice Dow Jones da New York Stock Exchange. Tudo pelos dividendos.

Águas profundas e o subsolo brasileiro são a matéria-prima dessas companhias. Estrategicamente, elas deveriam executar políticas de Estado, com investimentos no país, priorização a fornecedores locais, destinação de lucros à União e, dela, ao orçamento público. A Vale não executa e a Petrobras privatizada não executará.

Vale privatizada e Petrobrás quase, resta-nos o século XVI: a riqueza é dos colonizadores.

Vale: os acionistas, sem dúvida, ganharam

A Companhia Vale do Rio Doce, empresa pública criada em 1942 pelo governo Vargas (1930-1945), foi privatizada em leilão de 6 de maio de 1997. O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) bateu o martelo na Bolsa do Rio em troca de R$ 3,338 bilhões, ágio de 20% em relação ao preço mínimo da época1. O vencedor foi o Consórcio Brasil, integrado pela Companhia Siderúrgica Nacional (empresa privatizada quatro anos antes, 1993, Governo Itamar), Litel Participações (fundos de pensão), Eletron (Banco Oporttunity) e Sweet River (Nations Bank).

O ágio tomou as manchetes de defensores da privatização, manchetes que não destacaram as reservas minerais de R$ 100 bilhões cedidas aos novos proprietários da Companhia2, tampouco “os R$ 700 milhões em caixa, deduzidas as despesas com a demissão de mais de mil funcionários, feita para livrar o comprador de obrigações trabalhistas”3.

Estudo do Dieese de 2019 4 registra que, ao ser incluída em 1995 no Plano Nacional de Desestatização, declarou-se à “Securities and Exchange Comission que suas reservas lavráveis de minério de ferro no estado de Minas Gerais eram de 7,9 bilhões de toneladas. No entanto, no edital de privatização, foi mencionado apenas 1,4 bilhão de toneladas”. Destaca, ainda, que o “lucro líquido apenas nos exercícios de 1998 a 2000 totalizou R$ 4,2 bilhões (valores históricos), antes do período do ‘boom das commodities’, em que a companhia chegou a lucrar R$ 37,8 bilhões em um único ano”.

A Vale seria da Votorantim, não foi. De toda forma, hoje é controlada por acionistas do exterior.

Cinco anos depois de privatizada, matéria da Folha On Line5 dizia que o resultado do leilão causara surpresa. Segundo a publicação, para fazer frente ao favorito consórcio Valecom, do grupo Votorantim e do qual participava o Fundo de Pensão dos Trabalhadores da Telebras – Sistel, “o governo FHC interveio impedindo que os demais fundos de pensão de estatais aderissem ao consórcio de Antônio Ermírio e optassem pelo Consórcio de Steinbruch”, o ganhador Consórcio Brasil. Esses demais fundos eram Previ, Petros, Funcef e Funcesp.

O portal da Vale na internet declara que seu capital, em dezembro de 2020, estava distribuído entre investidores estrangeiros (38%), fundos do exterior (19,3%), investidores brasileiros (22,2%), Bradespar (5,56%) e Litela – Fundos de Pensão (9,84%)

Na análise do Dieese, o crescimento da companhia desde 1997 sustenta-se em exportações desoneradas, sem processamento interno para agregação de valor, em terceirização, trabalho precário, degradação ambiental.

Mortes.

Em novembro de 2015, rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), matando 19 pessoas e despejando, segundo a escritora e jornalista Cristina Serra, “um mar de lama no Rio Doce, prejudicando até hoje a saúde, o trabalho e o sustento da população de 40 municípios”.  A Samarco e seus acionistas Vale e BHP comprometeram-se a entregar 200 casas da Vila de Bento Rodrigues. Passados seis anos, Cristina ressalta o prazo vencido pela terceira vez sem que a promessa tenha sido cumprida7

A tragédia de Brumadinho, em 2019, foi bem maior: 270 mortos. Agora em março, a Vale ajustou com o governo de Minas Gerais pagamento de indenização de R$ 37,6 bilhões8. O acordo, entretanto, vem sendo questionado na justiça pelos integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens, por ser injusto e violar direitos dos atingidos9. Do dinheiro desse acordo, há fatia que se destina, por exemplo, ao metrô de BH, que não serve a Brumadinho.

De toda forma, um bom negócio

Tomando-se por referência os investimentos dos fundos de pensão, passados mais de 20 anos os ganhos foram significativos. No caso da Funcef, sua participação na Vale por meio do Fundo de Investimentos em Ações Carteira Ativa II (FIA CA II), inicialmente em R$ 251 milhões, foi contabilizada em novembro de 2020 por R$ 9,038 bilhões. Não é o maior valor lançado, no entanto. Dados disponíveis revelam que em 2011 a participação nesse FIA havia alcançado R$ 9,066 bilhões. De 2011 a 2016 houve redução no valor contábil, com recuperação em 2017 e 2018, queda em 2019 e valorização em 2020.

FIA Carteira Ativa II – participação dos planos Funcef na Vale S.A. (*)

Fontes:

1 – Folha de São Paulo, 7 de maio de 1997, “Vale é vendida por R$ 3,3 bilhões e ágio de 20%”.

2 – Federação Única dos Petroleiros, “22 anos de privatização da Vale: crimes ambientais, mortes e trabalho precário”.

3 – Memorial da Democracia, 6/5/1997, “Vale é privatizada a preço de banana”.

4 – Dieese, “Impactos das Privatizações no Desenvolvimento Nacional”, maio de 2019.

5 – Folha On Line, 5/5/2002, “Saiba os bastidores da privatização da Vale do Rio Doce”.

6 – Vale S.A. , em vale.com.br

7 – Cristina Serra, “Mariana (MG): a lama, as vítimas e seus algozes”, artigo publicado em Folha de São Paulo, edição de 3/3/2021.

8 – El País, edição de 4/2/2021, “Vale assina acordo para pagar 37,68 bilhões de reais de reparação por tragédia em Brumadinho”.

9 – Movimento dos Atingidos por Barragens, 3/3/2021, “Atingidos entram com recurso no TJMG contra homologação do acordo entre a Vale e o Estado de Minas Gerais”.

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